02 | AGOSTO 2023

Caderno.A

Imagens
e Arquivos

O Caderno A combina textos que ponderam a relação entre a imagem de arquivo e a fotografia, com a produção ou reprodução de narrativas históricas e patrimoniais. Rafael Barbosa traz-nos o belíssimo trabalho de João Moreira Salles para tecer considerações em torno de uma arqueologia das imagens de arquivo; Ana Catarina Lima apresenta-nos a coleção de fotografias de José Dantas, fotógrafo autodidata de Ponte de Lima que registou as pessoas e seus costumes num acervo preciosíssimo; Cachadinha, Almeida e Varela, por sua vez, equacionam a relação entre o registo audiovisual e a preservação patrimonial, nomeadamente pela análise comparativa de exemplos entre o Norte de Portugal e a Madeira, equacionando a relação entre arte, cultura e património local; finalmente, Fernando Cruz propõe problematizar o uso do registo fotográfico enquanto metodologia de pesquisa, comparando diferentes terrenos de intervenção e leituras emergentes a partir de imagens recolhidas.

Deslocamentos e realocações das imagens de arquivo

Rafael de Souza Barbosa

UFMG, Brasil

Resumo

Como traços, as imagens de arquivo não carregam a história em si, mas abrigam sinais dos tempos. São, portanto, rastros, vestígios do passado que guardam uma pulsão de futuro e que atualizam sua “sobrevivência”, espécie de sobrevida, em constantes movimentos de elaboração e reelaboração. A partir do cotejo entre os documentários Santiago (2006) e No intenso agora (2017), de João Moreira Salles, buscamos explorar como se dá essa arqueologia das imagens de arquivo. Um processo que aponta tanto para o caráter não uniforme e falho da escrita com os arquivos – seus anacronismos – quanto para a porosidade de suas lembranças. Partimos do arquivo como objeto, da arqueologia como método e do ensaio como forma para entender como esses filmes promovem a dobra do passado no presente.

ver artigo em pdf

Abstract

As traces, archival footage do not carry the history itself, but harbor signs of the times. They are, therefore, residues of the past that keep a drive for the future and update a kind of “survival” in constant movements of elaboration and re-elaboration. Based on the comparison between the documentaries Santiago (2006) and In the intense now (2017), by João Moreira Salles, we seek to explore how this archeology of images takes place. A process that points both to the non-uniform and flawed character of writing with the archives – its anachronisms – and to the porosity of its memories. We start from the archive as an object, from archeology as a method and the essay as a way to understand how these films promote the fold of the past with the present.

A paisagem social ressignificada pela lente de José Dantas

Ana Catarina Lima

Universidade Aberta Portugal

Resumo

A fotografia não se resume somente a ser vista. Enquanto documento remete para o campo da memória individual e coletiva, reconstituindo uma visão histórica e antropológica dos paradigmas culturais e sociais, a partir do momento em que regista uma época e evidencia características de um mundo social, que, por vezes, é remetido para o esquecimento. As relações que estabelecemos com as imagens permitem abrir uma janela no trabalho de reconstituição da antropologia visual, no sentido em que estas representações ampliam uma visão polivalente e mítica das figuras anónimas do passado. É nesta premissa que assenta o trabalho do fotógrafo autodidata José Dantas (1959-1975) que figura ao lado dos grandes fotógrafos de Ponte de Lima. Graças ao seu vasto espólio de imagens, recolhido na década de 70, podemos verificar um conjunto imagético singular, sobretudo das figuras solenes do povo, captadas no seu quotidiano, que, imersas numa majestosa espontaneidade da sua condição precária, transmitem a descodificação de um fenómeno social, eternizado no conceito que Barthes designa como a máscara, “aquilo que faz de um rosto o produto de uma sociedade e da sua história” (Barthes, 1980). Na sua recolha documental, existe uma clara interrogação sobre a distância e a desigualdade social e a presença de idiossincrasias populares muito próprias, que resulta num conjunto de imagens que traduzem uma identidade social, inseridas numa época de profundas transformações, tal como Barthes defende: “a visão do fotógrafo não consiste em ver, mas em estar lá”.

ver artigo em pdf

Abstract

Photography is not just about being seen. As a document, it refers to the field of individual and collective memory, reconstituting a historical and anthropological vision of cultural and social paradigms, from the moment it registers a time and highlights characteristics of a social world, which is sometimes made forgotten. The relationships we establish with images allow us to open a window in the work of reconstituting visual anthropology, in the sense that these representations expand a multipurpose and mythical vision of anonymous figures from the past. It is on this premise that the work of self-taught photographer José Dantas (1959-1975) is based, who appears alongside the great photographers of Ponte de Lima. Thanks to its vast collection of images, collected in the 70s, we can see a unique gallery of photographs, especially the solemn figures of the people, captured in their daily lives, which, immersed in the majestic spontaneity of their precarious condition, transmit the decoding of a social phenomenon, immortalized in the concept that Barthes designates as the mask, “that which makes a face the product of a society and its history” (Barthes, 1980). In his documental collection, there is a clear questioning about distance and social inequality and the presence of very specific popular idiosyncrasies, which results in a set of images that reflect a social identity, inserted in a time of profound transformation, as Barthes argues: “the photographer’s vision does not consist in seeing but in being there”.

Registos visuais e sonoros para a preservação do património

Manuela Cachadinha

Instituto Politécnico de Viana do Castelo/Centro de Estudos das Migrações e Relações Interculturais - U. Aberta, Portugal

Carlos Almeida

Instituto Politécnico de Viana do Castelo /Centro de Investigação em Estudos da Criança - U. Minho, Portugal

Rolando Varela

Escola EB1 PE da Achada, Funchal/ Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Portugal

Resumo

A presente comunicação incide no trabalho de investigação sobre a cultura e o património local. Resulta de pesquisas efetuadas em diferentes locais, designadamente, no Noroeste de Portugal e na Região Autónoma da Madeira, sobre manifestações artísticas e socioculturais, recorrendo a registos visuais e sonoros dessas culturas específicas. Entendemos que os referidos registos constituem instrumentos valiosos para a reflexão socio-antropológica e um ponto e partida para o conhecimento e preservação do património cultural e artístico local e suas respetivas especificidades. Apresentamos uma consciencialização dos impactos inevitáveis da globalização na sua dimensão artístico-cultural e da importância do conhecimento e da preservação patrimonial, durante o curso do referido processo, tendo em vista a preservação da identidade cultural enquanto elemento fundamental da cidadania. Assim, é realçado o trabalho didático e pedagógico com os nossos alunos, no sentido de neles incentivar o gosto pela pesquisa etnográfica e pela recolha de materiais audiovisuais sobre manifestações culturais dos e nos seus locais de residência. Estas recolhas têm sido objeto de análise dentro e fora da sala de aula e têm revelado a riqueza e diversidade existentes. São realçados os conceitos de arte, cultura e património locais numa dimensão dinâmica que têm vindo a proporcionar mudanças em diferentes esferas que também se refletem nas manifestações artísticas, culturais e patrimoniais. Constatamos mudanças e também permanências sobre a importância que as pessoas, os residentes locais, atribuem à sua arte e à sua cultura.

ver artigo em pdf

Abstract

This communication focuses on research work on local culture and heritage. It results from research carried out in different places, namely, in the Northwest of Portugal and in the Autonomous Region of Madeira, on artistic and sociocultural manifestations, using visual and sound recordings of these specific cultures. We understand that these records are valuable instruments for socio-anthropological reflection and a starting point for the knowledge and preservation of the local cultural and artistic heritage and its respective specificities. We present an awareness of the inevitable impacts of globalization on its artistic-cultural dimension and the importance of knowledge and heritage preservation, during the course of this process, with a view to preserving cultural identity as a fundamental element of citizenship. Thus, the didactic and pedagogical work with our students is highlighted, in order to encourage in them the interest for ethnographic research and the collection of audiovisual materials on cultural manifestations of and in their places of residence. These collections have been the object of analysis inside and outside the classroom and have revealed the existing richness and diversity. The concepts of art, culture and local heritage are highlighted in a dynamic dimension that have been providing changes in different spheres that are also reflected in artistic, cultural and heritage manifestations. We see changes as well as permanencies regarding the importance that people, local residents, attach to their art and culture.

A fotografia na investigação e na escrita etnográficas. Os espaços públicos nas cidades do Porto (Portugal) e Châlons-en-Champagne (França)

Fernando Manuel Rocha da Cruz

Universidade de Santiago de Compostela, Espanha ID+, Instituto de Investigação em Design, Media e Cultura, Portugal

Resumo

Os espaços públicos são definidos como espaços urbanos e podem ser utilizados anonimamente, vinte e quatro horas por dia. Contudo, assistimos nestes: à fixação de horários, à colocação de barreiras, ao pagamento de taxas de entrada, à cedência de espaço para fins e objetivos privados. A segurança destes espaços é também cada vez mais controlada através de aparelhos de videovigilância. Quer na cidade do Porto (Portugal), quer na cidade de Châlons-en-Champagne (França), os espaços públicos são utilizados, por exemplo, para a organização de eventos culturais, desportivos, religiosos e políticos. A partir de uma abordagem etnográfica, com especial destaque para o registo fotográfico, procuramos refletir sobre a adequação da fotografia como ferramenta ou técnica de investigação etnográfica para o estudo dos espaços públicos. Se na fase da pesquisa etnográfica, a fotografia pode ser em determinados momentos utilizada como diário de campo ao promover o registo dos acontecimentos, a posteriori, esse mesmo registo, permite ao investigador refletir sobre a sucessão de acontecimentos e sobre aquilo que as fotografias não “contam”, ou até, sobre os sons que se encontram ausentes. Por outro lado, há ainda que ter em conta, que a imagem não expõe a “verdade”, mas apenas permite a apresentação de uma “construção” resultante dos condicionalismos técnicos na sua captação. Daí que concluamos que nem toda a fotografia captada numa investigação seja etnográfica, uma vez que esta pode não possuir relação com o objeto pesquisado ou, não permitir a sua contextualização e interpretação.

ver artigo em pdf

Abstract

Public spaces are defined as urban spaces and can be used anonymously, twenty-four hours a day. However, we see in these: the setting of timetables, the placing of barriers, the payment of entrance fees, the provision of space for private purposes. The security of these spaces is also increasingly controlled through video surveillance devices. Both in the city of Oporto (Portugal) and in the city of Châlons-en-Champagne (France), public spaces are used, for example, for the organization of cultural, sporting, religious and political events. From an ethnographic approach, with special emphasis on the photographic record, we seek to reflect on the adequacy of photography as an ethnographic research tool for the study of public spaces. If in the stage of ethnographic research, photography can be used at certain times as a field diary when promoting the recording of events, a posteriori, this same record allows the researcher to reflect on the succession of events and on what the photographs do not “tell”, or even, about the sounds that are absent. On the other hand, it should also be taken into account that the image does not expose the “truth”, but only allows the presentation of a “construction” resulting from the technical constraints in its capture. Hence, we conclude that not all the photography captured in an investigation is ethnographic, since it may not have a relationship with the researched object, or it may not allow its contextualization and interpretation.

Ficha técnica

TÍTULO: Cinemas
DIRECÇÃO: Daniel Maciel
COMISSÃO EDITORIAL: Daniel Maciel, Gláucia Davino e Teresa Norton Dias
TIPO DE PUBLICAÇÃO: Periódica
TIRAGEM: Edição electrónica
FORMATO: PDF
ISSN: 2975-8521
DATA DE PUBLICAÇÃO: Agosto de 2023
DISPONIBILIZAÇÃO ONLINE: Agosto de 2023
EDIÇÃO: AO NORTE
CIDADE: Viana do Castelo
ÁREA TEMÁTICA: Cinema | Educação | Investigação
DESIGN: Carlos Coutinho – publiSITO

Corpo editorial
Informações para submissão

1994 - . AO NORTE . Associação de Produção e Animação Audiovisual . Todos os direitos reservados

2023 - . Webdesign by publiSITIO . Todos os direitos reservados