AO NORTE . Associação de Produção e Animação Audiovisual

EXPOSIÇÃO . FOTOGRAFIA

Paulo Vale Afonso

Going South

de Paulo Vale Afonso
24 de abril a 22 de maio 2021
Galeria Espaço AO NORTE

Going South

Se puderes olhar, vê. Se puderes ver, repara. José Saramago

Em 2011 cruzei pela primeira vez o equador e rumei ao hemisfério sul. Emigrei para o Peru, onde vivi até 2015, entre a capital Lima e a selva alta, na encosta este dos Andes, mas acabando por percorrer grande parte do Peru e dos países limítrofes (Equador, Bolívia, Chile).

Estas fotografias são um conjunto de memórias visuais, um diário documental, fragmentos de uma realidade, um retrato pessoal do território. Encontram-se no cruzamento entre a permanência e a mudança, entre o ficar e o partir. Porque fui e fiquei, fui indo e fui ficando. Porque (principalmente) fui e vim. Entre cá e lá, entre lá e outro lá.

As fotografias aqui descritas são uma experiência na apreensão e no entendimento de um espaço que não é culturalmente o meu, uma deslocalização do Eu para outro lugar, físico, social e cultural. É, ao mesmo tempo, um processo de aprender a ver, aprender a entender que território é aquele. É também uma tentativa de relação com essa realidade. Que imagens construímos dos sítios que habitamos? Como é que vemos uma realidade que não é a nossa, mas que se torna nossa? O que é que vemos? Como é que criamos uma memória dessa realidade? Como é que nos conectamos com esse espaço estranho, como é que chamamos a casa a esse outro sítio?

As fotografias que faço são de um contacto instantâneo. A subjectividade da sua construção deriva deste mesmo encontro imediato. Como se estas fotografias me encontrassem antes de eu as procurar. Apesar de haver um aspecto documental nestas fotografias, há uma narrativa que é pessoal. Um retrato que não pretende ser fiel e representativo. Sendo pessoal, é tendencioso. É o meu retrato dessa realidade, assente em emoções, visões e experiências. Um retrato que parte de um estado de espírito interior e de uma curiosidade pessoal por aquilo que se vê, uma visão de fora sobre esse mesmo território. O objecto torna- se física e emocionalmente indissociável do sujeito, um retrato de uma realidade exterior através de uma realidade interior. E é nesse diálogo que assenta este trabalho. Um documentário tendencioso.

É o retrato de vários lugares num determinado espaço e tempo, são as imagens (por vezes) anónimas e comuns, muitas delas singulares na sua banalidade ou até mesmo banais na sua trivialidade. Mas é este o mundo em que vivemos, entre as imagens que formamos, singulares e pessoais, e aquelas que se formam e com as quais somos confrontados, genéricas, turísticas. Entre as coisas que todos vemos há muitas outras coisas em que não reparamos. Mais do que aquilo que todos vemos e reconhecemos, mais do que as imagens que construímos enquanto sociedade, o nosso mundo é formado pelos milhares de pequenas coisas que vemos, mas não reparamos. É também no interstício entre essas coisas que este trabalho existe. É a ligação entre todas essas coisas que dá sentido a este trabalho. As coisas que vemos, mas não olhamos. Que olhamos, mas não reparamos.


Onde? Sul.

O território pode descrever-se como um espaço de identificação social, um aglomerador de consciências, de decisões éticas e estéticas. No trabalho do fotógrafo Paulo Vale Afonso encontramos um roteiro emocional pela América do Sul. Decidem-se distâncias e relações naquilo que é a compreensão e a tradução imagética do fotógrafo enquanto ator/autor social.

Nesta edição apresentada em exposição e livro (OFZINE) traça-se um percurso pela recolha de grande escala que deu início a este processo. Nos arquivos do autor existem centenas de possibilidades e derivações. Foram quatro anos a fotografar de forma intensa e refletida. É no navegar cuidado pelas fotografias, e na criação de ligações, que nasce esta vontade de encontrar vinte e uma fotografias que sejam um corpo único de pensamento sobre aquilo que foi viver e sentir um território distante ao de origem do Paulo Afonso.

Um corpo (autor) estranho dentro de uma plataforma (região) desconhecida traduziu a vivência e a expectativa do leitor do trabalho a apresentar. Enquanto curador da exposição foram muitas as delineações e reajustes formais a ponderar na construção de um equilíbrio que resulte numa visão planeada e rigorosa da perceção do autor enquanto criador, na perspetiva do espectador enquanto novo leitor de um universo amplo de anotações e revelações de um outro território.

Fotografar é arquivar e trazer a uma nova perspetiva a imagem como código, como revelação de uma nova escrita enquanto documento. Documentar é revelar, traduzir e compor uma estrutura de derivações que nos permitem a uma distância considerável, no que remete a território e emotividade, reenquadrar o autor num espaço comum criando novas camadas de leitura naquilo que pode ser a compreensão de um mundo globalizado e preenchido por revisitações imagéticas. Olhar e transcrever o que atentamos pode ser uma segunda viagem quando acontece com a fotografia como pouso da nossa consciência artística e social.

João Gigante, 2021

Local

Galeria Espaço AO NORTE

Praça D. Maria II, n.º 113, r/c

4900-489 Viana do Castelo

De segunda a sexta-feira, das 10h00 às 13h00 e das 14h30 às 18h30

Organização

Oficina de Fotografia da AO NORTE

Nota Bio

Paulo Vale Afonso

Paulo Vale Afonso (1982) nasceu e cresceu em Ponte de Lima, Portugal, e vive actualmente no Porto. Licenciou-se em Arquitectura pelo Universidade de Coimbra. Além de Coimbra e Porto, viveu em Trondheim, Barcelona, Peru e Macau. Além da arquitectura, tem tirado fotografias pelos sítios onde passa e que habita, recolectando memórias e construindo um diário pessoal visual dessas realidades, focando-se em temas como o território, o espaço e a sociedade, a memória e a relação entre eles.